Nas últimas décadas, o rápido crescimento dos centros urbanos foi distanciando a relação entre a produção e o consumo de gêneros alimentícios. A falta de tempo associada à ideia do capitalismo – onde quase tudo pode ser trocado por dinheiro- faz com que estejamos cada vez mais desconectados da origem dos produtos que vêm parar em nossa mesa.
Crianças da cidade crescem sem saber de onde vem o leite que tomam. Seria mais um produto criado na indústria? Carnes são vendidas em bandejinhas estéreis plastificadas e, apesar de sabermos de sua origem, não sujamos nossas mãos de sangue, não escutamos nenhum ruído relacionado ao abate, não sentimos o cheiro de ferro vermelho – enfim, nos distanciamos da ideia de que essa carne pertenceu a um corpo animal.
Não é incomum que seres urbanos não consigam se alimentar da carne quando vêm o bicho agonizar e morrer. Isso geralmente não ocorre com pessoas que vivem em lugares onde a criação de animais para consumo segue um curso mais próximo e natural em relação à cadeia alimentar.
Fazendo um paralelo entre o capitalismo e a possibilidade de compra de produtos “sem limites e sem sujar as mãos”, o filósofo britânico Alan Watts sugeriu certa vez que cada um fosse responsável por suas próprias caças. Assim, talvez os consumidores de carne o fariam de forma mais consciente. “Sou vegetariano porque vacas gritam mais do que cenouras”, afirmou sobre sua escolha.
Num vilarejo chamado Wadi Musa, situado na Jordânia, os convidados homens do casamento passam a madrugada anterior abatendo cabras para o grande almoço, preparado pelas mulheres. A comunhão do ato agrega uma pequena fala religiosa que, segundo os presentes, é uma invocação ao perdão por matarem os animais, justificado pelo fundo alimentício. O ritual é feito de maneira a proporcionar o mínimo de sofrimento ao rebanho.
Por serem associadas diretamente ao corte e preparo de carne, tábuas de madeira foram escolhidas como suporte para as treze fotografias deste ensaio. As imagens são impressas artesanalmente numa referência ao preparo alimentar e apresentam “falhas” e interferências típicas de um trabalho não-industrial. Além disso, também numa referência à culinária, foi utilizado fogo para dar um aspecto mais rústico aos suportes. Dois talheres acompanham estas imagens, numa alegoria ao ato de “não sujar as mãos”, descrito acima.
As tábuas e os talheres são colocados sobre fundo branco, dispostos de maneira não simétrica, fazendo com que os espaços vazios estimulem o olhar a realizar percurso dinâmico que viaja de uma imagem a outra. A vista do conjunto sugere um quebra-cabeça, uma indagação da autora em relação ao conflito existente entre o matar e o comer.
Este trabalho foi exposto na “OpenBox”.Mostra coletiva dos artistas residentes da PaperBoxLabInstituto, São Paulo, maio-julho de 2015.